sexta-feira, 19 de setembro de 2014

A MORTE E SUA INEVITÁVEL INTIMIDADE CONOSCO

MARCELINO RIBEIRO
(1968-2014)

A morte do artista Marcelino Ribeiro, nessa semana, trouxe a necessidade de falar algo sobre o tema. A partida em definitivo de alguém, mesmo que não seja do nosso círculo diário de contato, choca principalmente porque nos expõe a fragilidade do estarmos vivos e sempre nos ressuscita valores perdidos e momentos de reflexão. Tem sido uma temporada onde presenciei ou tomei conhecimento do partir de várias pessoas, de minha cidade ou mesmo distantes. Quando a proximidade da morte é percebida com mais intensidade e de algum modo isso mexe conosco, é porque algo em nosso interior ganhou novas proporções e falar sobre isso precisa ser natural, como são naturais todas as outras coisas da vida. E se consigo sensibilizar outras pessoas com aquilo que se tornou sensível em mim, é sinal que socializo experiências e que tais oportunidades podem nos conduzir por caminhos comuns.
Conheci o artista Marcelino há cerca de 3 anos, por ocasião da primeira exposição Olhares Diversos. Já ouvira sobre ele anteriormente e sobre seu envolvimento com a arte, principalmente sobre o grande número de alunos que tinha na região (desde muito tempo) e da facilidade com que tinha em arrebanhar esses alunos para experimentos mais contemporâneos na pintura, criando uma marca registrada em seus trabalhos: transparências e efeitos tridimensionais, mesclando arte figurativa e abstrata. Tinha mesmo o espírito inquieto do artista dos novos tempos, parecia que a vida ia lhe escapar a qualquer momento e tudo que fazia era sempre muito rápido, como se a pressa fosse uma companhia insuportavelmente necessária. Ele riu muito quando comentei isso com ele uma vez, e chegou mesmo a afirmar que tinha planos para mudar, que gostaria de se dedicar a uma arte mais tranquila e que lhe trouxesse novos desafios e conquistas. Não o via desde o final do ano passado e sinto que não tenha conseguido realizar esses seus novos desejos.
Temos o péssimo hábito de achar que a morte só pode ser compreendida e tolerada quando o falecido está de avançada idade ou acometido de uma doença aparentemente intolerável e que esta venha lhe trazer sofrimentos aos dias de vida. Como disse Rubem Alves, só “há uma morte feliz, é aquela que acontece no tempo certo”. E não nos parece certo, por exemplo, ver uma criança que mal chegou ao mundo ser retirada deste, por um acidente ou alguma tragédia parecida. Assim como não parece certo ver um jovem cheio de planos, partir sem poder realiza-los. Mas, há realmente um momento certo para morrer? Nem preciso ter espírito religioso para responder tal questão. Prefiro acreditar que há um momento certo para viver e que a incompreensão da morte só se dá pelo fato de que ainda não soubemos aproveitar cada um desses momentos. Gosto muito da maneira simples que Abrão Lacerda escreveu em um de seus textos: “...o Buda ensina que o tempo hábil é este, aqui e agora, onde você está. Porque o passado, assim como o futuro, reúne-se no tempo presente se você despertar para a grandeza que reside em seu interior, tal qual uma joia costurada em um manto, que pode passar a vida inteira sem ser percebida.” Se compreendemos realmente a grandiosidade disso citado anteriormente, a morte, em qualquer momento que ela ocorra, não será vista como algo penoso ou como uma fatalidade insuportável. E, me perdoem, mas preciso novamente citar Rubem Alves que mais uma vez resumiu tudo isso: “Valeu a pena eu ter vivido toda a minha vida só para ter vivido esse momento”. Não tenho a menor dúvida que quando tomo conhecimento dessa verdade e ela faz parte de minha essência, tudo ganha um novo sentido.

JACQUES-LOUIS DAVID - A morte de Sócrates - Óleo sobre tela - 129,5 x 196,2
Museu Metropolitano de Na York
Sócrates foi condenado e sentenciado à morte pela acusação de corromper a juventude com as suas ideias filosóficas e libertárias. Ele podia até recorrer de sua sentença, mas preferiu acatar a decisão da corte de jurados, pois tinha princípios e era fiel ao estado. Mas, a sua maior convicção é que encerrava ali apenas a sua vida física, tudo aquilo que despertara nas mentes de todos aqueles que o ouviram encontraria uma vida muito mais duradoura. Tudo que ele pregou e mencionou é lembrado até hoje.

Alguns antigos povos do interior do México já aprenderam há muito tempo essa lição. Quando um parente morre, fazem 3 dias de festas até que o corpo seja sepultado. Não estão fazendo com isso uma apologia à morte, mas principalmente agradecendo por todos os minutos que tiveram na companhia daquele ente que se vai. Se há confraternização em vida e todos os momentos alegres foram compartilhados com intensidade, não há porque se entristecer com a partida. Despedir de alguém com festa é a melhor saudação que podemos lhe dar. Nada é eterno, tudo acaba um dia. E, citando pela última vez Rubem Alves: “Eternidade não é o tempo sem fim, é o tempo completo. Esse tempo do qual a gente diz: valeu a pena!”

Saudações ao amigo Marcelino e obrigado pelos breves convívios que pude partilhar de sua presença. Você tinha o que para mim é o mais nobre de todos os sentimentos: “alegrar-se com a felicidade dos outros”.

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4 comentários:

  1. Talvez as palavras certas nunca acontece em momentos como este, embora penso como você em relação a morte, tudo parece de brincadeira em determinado momento, daí deparamos com a realidade, a saudade dos bons momentos sempre traz um sorriso, uma lágrima...
    É uma pena...
    Saudações ao amigo... tenho certeza da sua importância e cooperação...

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    1. Realmente, Vidal. Somente o tempo conseguirá confortar os familiares e amigos mais próximos a ele.
      Todos são importantes nessa vida e o Marcelino deixou sua parcela de contribuição, com certeza.
      Grande abraço, amigo!

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  2. Que grande texto, Zé! Parabéns. Justa homenagem a seu amigo artista e reflexão atemporal sobre esse tema tão pertinente. É de surpreender que ainda hoje não saibamos que posição tomar diante da morte; talvez seja porque também não sabemos que posição tomar diante da vida, tão mal vivida e iludida.

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    1. SER OU NÃO SER, EIS A QUESTÃO!
      A dúvida é bem antiga mesmo, Abrão. Shakespeare já nos alertava sobre ela. Interessante que aprendemos tão pouco da lição e vez outra sofremos com suas consequências.
      Um grande abraço, meu amigo!

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