quinta-feira, 29 de setembro de 2011

CULTURA E ENSINO

Recebi, recentemente, um e-mail com um texto escrito por José Geraldo de Araújo Castro, intitulado Cultura e Ensino. Um texto lúcido, corajoso, saudosista e que expressa os sentimentos de alguém que acompanha o rápido processo de decadência e desestruturação do ensino. Tem a abordagem mais voltada para Dionísio, terra do escritor, mas é o retrato nacional pelo que passa o atual quadro de ensino no Brasil. E uma bela introdução que explana a cultura num contexto histórico geral.
Confesso que poderia ter poupado nos elogios ao final do texto, mas o publiquei assim mesmo, na íntegra, como ele me enviou.
Agradeço sua participação e deixo o espaço aberto para futuras publicações.


CULTURA E ENSINO
(José Geraldo de Araújo Castro - Agosto de 2011)

SIR LAWRENCE ALMA-TADEMA - Prosa
Óleo sobre tela - 35,5 x 24,2 - 1879

O ensino e a cultura são um binômio difícil de caminharem juntos em qualquer lugar do mundo. Em alguns países estas deficiências são menos sentidas que em outros. Os primeiros registros que temos notícia da arte e cultura são as manifestações rupestres encontradas em várias partes do mundo. O homem sentia os primeiros desejos de manifestar sua impressão do mundo em que vivia. Consequentemente queria assim exprimir naquelas pinturas a beleza primitiva que o cercava. Com o advento dos primeiro impérios, sensibilidade de alguns governantes e a ambição de outros para adquirir obras trabalhadas com habilidade, conhecimento e virtuosismo, estabeleceram-se os parâmetros para a importância das artes. Houve até aqueles que financiaram e mantiveram reunidos artistas das mais variadas matizes das artes plásticas para ampliar seu acervo particular. Alguns povos com milênios de história deixaram para a humanidade monumentos, pinturas e trabalhos dos mais diversos enfoques, que constituem obras-primas de inigualável valor. Outros mais novos, conseguiram traçar com habilidade, virtuosismo e muita dedicação,  a construção e preservação de sua própria trajetória nesse campo, com igual conhecimento e interesse.  A todos, novos e antigos povos, que possuíram ou possuem a capacidade de construir esse importante acervo, a humanidade reverencia, encanta, visita e enaltece pelo diferencial de valores que preservam e espelham.
Com o ensino, os valores mudam. Na antiguidade, nenhum governante conseguiu estabelecer um sistema de ensino para alfabetizar seus povos. Somente as classes abastadas podiam oferecer instrução aos membros da família, através de velhos sábios detentores do conhecimento e da educação social. O povo, este, ficava relegado a própria ignorância, por total desinteresse dos governos constituídos. Na idade média, os mosteiros e seus monges passaram a guardiões do saber, com seus papiros e pergaminhos. Surgiram as primeiras universidades. Mas somente a nobreza tinha acesso a ela. O povo e o conhecimento viviam em mundos antagônicos. O rei governava soberano para todos, o conhecimento direcionado para alguns iluminados.

Guttemberg e a imprensa, em uma litografia da época.

Depois de Johannes Guttenberg, tudo mudou. As primeiras obras começaram a ser impressas. O desejo de saber se espalhou. A curiosidade em descobrir um mundo novo aumentou. Os governos tiveram que adaptar aos anseios dos novos tempos. As escolas tornaram-se necessárias. O conhecimento estava agora ao alcance de todos.
No Brasil, a história não foi diferente. Ainda Colônia, havia algumas escolas administradas por algumas congregações religiosas que aqui se estabeleceram. Depois da elevação do Brasil a reino unido ao de Portugal, as coisas começaram a mudar nesse campo. Surgiram as primeiras escolas e faculdades criadas pelo império. Mesmo assim, somente a elite tinha vez. Somente no inicio do século vinte, houve de fato uma política pública para democratizar o ensino. Alguns estados saíram na frente.
Minas, com a mudança da capital, no final do século dezenove, sentiu na obrigação de expandir o ensino público no estado. É bem verdade que tudo começou de forma tímida. Mas começou.

Grupo Estadual Dr Gomes Lima, uma das
primeiras escolas públicas do estado de Minas Gerais.

Nesta época, um pequeno distrito, chamado Dionísio, da comarca de São Domingos do Prata, teve a primazia de receber uma das primeiras escolas públicas do Estado. Cidades e comarcas ainda não haviam conseguido tão significativa conquista, alcançada por este pequeno lugar, perdido entre a Mata Atlântica do leste mineiro. Entretanto, esta escola conhecida e admirada pela qualidade de seu ensino e do sucesso de seus alunos, quando daqui saíam, para tentar novas oportunidades nos mais diversos cursos em que postulavam fora de suas fronteiras, foi na década de 90 municipalizada. Interesses escusos de uma administração tacanha, sem escrúpulo, ignorante e sem a menor noção de sua relevância no contexto de nossa comunidade mudaram o rumo desta escola. O ensino público tão criticado nos dias correntes, era ministrado aqui com competência e seriedade. De fato, era um ensino de resultado, no bom sentido da expressão; e não desse que vimos hoje, meramente de resultado estatístico, para satisfazer a vaidade dos políticos e anestesiar a consciência coletiva. A experiência centenária do Estado na área da educação, colocada no alvorecer do nosso sistema de ensino, ao dispor desta população, foi jogada na lata de lixo despreocupadamente, sem avaliar o prejuízo educacional a ser creditado às gerações futuras inapelavelmente. Saudosa escola, pobres crianças, incerto futuro.

Antiga comemoração de 7 de setembro, em Dionísio.

Com a chegada da escola, a cultura veio junto.  Foram seguramente as artes cênicas, as primeiras que aqui aportaram. Ainda com lamparinas, lampiões e candeeiros as primeiras peças teatrais começaram a ser encenadas na escola. Começava assim vicejar a cultura por aqui.
No inicio da década de 20 o distrito recebeu água encanada e no final da década, precisamente em 28, a luz elétrica. Com tantas melhorias a comunidade se uniu no início dos anos 30 e, com recursos próprios, comprou uma antiga casa, na praça da matriz, para funcionar ali o grupo de teatro. Ali, por muitos anos a comunidade se deliciou com as peças levadas naquela que foi sua maior e única casa de espetáculo.


Dionísio, 1948, época da sua emancipação.
Vista da Rua Dr José Mateus de Vasconcelos,
tomada da Praça São Sebastião.

Dionísio, numa fotografia do início dos anos 80.

Com a emancipação do município em 48, generosamente o grupo de teatro doou a velha casa para que o município tivesse sua sede. Entretanto, os anos se passaram e os mandatos também se sucederam e não houve nenhum administrador que entendeu, enxergou ou tivesse a mínima sensibilidade para devolver à comunidade esta tão sonhada e importante dívida cultural. A velha tradição e o amor às artes cênicas sucumbiram ao desinteresse de mandatários que não perceberam a importância desta rica cultura em nosso meio. Iniciativas isoladas tentaram ainda, levar, bem depois, no salão paroquial, várias peças na expectativa de não deixar fenecer a tradição. As dificuldades eram inúmeras para o sucesso desta empreitada. Não bastava a dedicação de um grupo de pessoas entusiasmadas com o projeto. Faltavam recursos, o salão foi vendido, não havia incentivos, o teatro havia saído de cena. Como nuvens negras que surgiam no horizonte, a ignorância chegava para envolver de forma definitiva toda a comunidade. A tradição havia morrido. Pena que a lente obtusa dos governantes não pode enxergar e insiste em não ver, ainda hoje, que o teatro além de diversão,  boa dicção e desembaraço no convívio social para quem participa, é disciplina e cultura.

Apresentação da peça "A Canção da Primavera",
de Aníbal Matos - 1977

Apresentação da peça "D. Xepa" - 1978
Grupo Elo de Teatro, em Dionísio.
Final da década de 70 e início da década de 80.

Todavia, a arte e o dom, na maioria das vezes, não dependem de administradores e nem de mandatos. O dom é um valor único em si mesmo. E assim, outra arte aportou por aqui, muito tempo depois. A arte plástica. Assim, José do Rosário começou a sua arte para nos encantar. Suas infindáveis telas falam por si mesmas. Hoje, seguramente ele transcende a fronteira de nossa cidade e estado. O Zé, hoje, é um artista de projeção nacional devido ao seu formidável trabalho. Trabalho que evoluiu ao longo dos anos, amparado pela sua já longa experiência, estudo e dedicação. O Zé nos orgulha pela seriedade e competência. São inúmeros os contatos com companheiros de pincel do Brasil e do exterior. Com freqüência, a convite deles, é intimado a abandonar sua costumeira modéstia para opinar sobre seus trabalhos. Isso traduz com clareza a relevância e importância deste peculiar artista.         


Festa de Nossa Senhora do Rosário, Dionísio.
Tempos atuais.

Agora este Blog, com seu número expressivo de visitantes, vem confirmar o interesse, a inquestionável beleza e sutileza exibida em suas telas e textos. O Zé engrandece, pela estética apurada de sua arte, empunhando com seu talento, a bandeira desta cidade mundo afora. Sua gente, reconhecidamente, admira-o e lhe agradece.


José Geraldo de Araújo Castro é mineiro da cidade
de Dionísio. Tem na escrita um passatempo
sério e consciencioso.
Espero que se torne um exemplo.

5 comentários:

  1. A arte e o dom abrindo fronteiras, parabéns para José Geraldo pelo texto e José Rosário por representar tão bem os artistas de Minas Gerais

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  2. Obrigado Gilberto, pelo incentivo de sempre.
    A participação do José Geraldo com o texto já é um dos frutos da sensibilização promovida pelo blog. Foi vendo as publicações das matérias, que ele se encorajou para encaminhar um dos muitos artigos que escreve desde sempre.
    Que muitos outros se contagiem por tal iniciativa.
    Abraço!

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  3. olá,bom saber um pouco mais da sua cidade,da sua raiz,que vç tem grande importancia para o desenvolvimento da sua cidade,e também que tem
    gente que escreve os valores da sua cidade;;; lindo texto,josé geraldo,e obrigado´´,josé rosário, é
    um dos tesouros de dionísio,de minas gerais para o
    mundo,obrigado josé rosário por tanto talento,e mais saber,,,

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  4. Um país de tantos talentos e pouco reconhecimento. Acho que só com mais consciência política é que vamos conseguir mudar o quadro de descaso com que é tratada a educação. Parabéns aos dois Josés que nos enchem de orgulho. Um bj carinhoso.

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